EXATIDÃO HISTORICA
advogado Irwin H. Linton, no
seu livro A Lawyer Examines the Bible (Um Advogado Examina a Bíblia), faz a seguinte observação:
“Ao passo que os
romances, as lendas e o testemunho falso tomam o cuidado de colocar os eventos
narrados em algum lugar distante e em algum tempo indefinido, violando assim as
primeiras regras que nós, advogados, aprendemos sobre o bom patrocínio duma causa
em juízo, de que ‘a declaração precisa dar o tempo e o lugar’, as narrativas da
Bíblia nos dão a data e o lugar das coisas narradas, com a máxima precisão.”
Para provar este
ponto, Linton citou Lucas 3:1, 2. O escritor do Evangelhomencionou ali sete autoridades, a fim de
especificar o tempo em que Jesus
Cristo iniciou Seu ministério. Note os pormenores que Lucas forneceu nas seguintes
palavras: “No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, quando Pôncio
Pilatos era governador da Judéia e Herodes era governante distrital da
Galiléia, mas Filipe, seu irmão, era governante distrital do país da Ituréia e
de Traconítis, e Lisânias era governante distrital de Abilene, nos dias do
principal sacerdote Anás e de Caifás, veio a declaração de Deus a João, filho
de Zacarias, no ermo.”
A Bíblia está cheia
de pormenores similares. Além disso, partes dela, tais como os
Evangelhos, foram escritas
num período altamente desenvolvido da cultura judaica, grega e romana. Era uma
época de advogados, escritores, administradores e outros semelhantes.
Certamente, pois, se os pormenores encontrados nos Evangelhos e em outras
partes da Bíblia não tivessem correspondido aos fatos, teriam sido expostos
como fraudulentos. Mas os historiadores seculares confirmaram pontos tais como aexistência de Jesus
Cristo. Por exemplo,
Tácito, historiador romano, escreveu a respeito de Jesus e Seus seguidores: “O
autor deste seu nome [cristãos] foi Cristo, que no governo de Tibério foi
condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos.” (Anais, Livro XV, 44, Clássicos Jackson) A exatidão histórica da Bíbliaajuda-nos a provar que ela é a dádiva de Deus para
a humanidade.
A ARQUEOLOGIA E ABRAÃO
Um dos principais personagens da Bíblia é
Abraão. Ele não é somente o antepassado de todos os escritores bíblicos, dos
judeus e de muitos árabes, mas é também chamado de “pai de todos os que têm fé”.
(Rom. 4:11) Além disso, os povos de todas as nações deveriam estar interessados
em saber se o relato bíblico sobre Abraão é autêntico. Por quê? Porque foi a
ele que Deus prometeu: “Todas as nações da terra hão de abençoar a si mesmas
por meio de teu descendente.” (Gên. 22:16-18) Se quisermos estar entre “os que
têm fé”, que serão abençoados por meio do descendente de Abraão, a evidência
que mostra a exatidão dos pormenores fornecidos na Bíblia sobre a vida e os
tempos de Abraão devia ser do máximo interesse para nós.
A Bíblia nos informa que Abraão (então chamado
Abrão) foi criado em “Ur dos Caldeus”. (Gên. 11:27, 28) Trata-se duma
localidade lendária? O que revelaram as picaretas e as pás dos arqueólogos? Já
em 1854, J. E. Taylor identificou tentativamente Ur com Tel
el-Mucaiir (“Monte de Betume”), que fica apenas alguns quilômetros ao oeste do
Eufrates. Em 1869, o orientalista francês Jules Oppert apresentou um relatório
ao Collége de France, em Paris, identificando definitivamente a localidade com
Ur, à base de cilindros de argila com inscrições cuneiformes encontrados ali
por Taylor. Daí, muito mais tarde, de 1922 a 1934 o arqueólogo britânico
Sir Leonard Woolley não somente confirmou esta identificação, mas
descobriu também que a cidade de Ur, abandonada por Abraão, fora uma cidade
florescente e altamente civilizada, com casas confortáveis e um enorme
templo-torre, ou zigurate, dedicado à adoração do deus-lua Nana, ou Sin. Por
muito tempo, os historiadores haviam expressado dúvidas sobre a cidade de Ur,
mencionada na Bíblia em conexão com Abraão. Mas a pá dos arqueólogos provou que
a Bíblia está certa.
Os arqueólogos confirmaram também muitos dos
costumes mencionados no relato bíblico a respeito de Abraão. Por exemplo, em
Nuzu, ou Nuzi, antiga cidade hurriana ao sudeste de Nínive, foram encontradas
tabuinhas de argila que autenticam costumes tais como: Escravos tornarem-se
herdeiros de pais sem filhos (veja as observações de Abraão sobre o seu escravo
Eliézer — Gênesis 15:1-4); a esposa estéril ser obrigada a prover ao marido uma
concubina (Sara, ou Sarai, deu Agar a Abraão — Gênesis 16:1, 2); e as
transações comerciais serem feitas junto ao portão da cidade (veja a compra do
campo e da caverna de Macpela, perto de Hébron, por Abraão — Gênesis 23:1-20).
Exemplos de como as escavações em Nuzi apóiam a Bíblia enchem mais de oito
colunas de tipo pequeno na erudita obra francesa Supplément au Dictionnaire de
la Bible. (Volume VI, colunas 663-672) A Encyclopœdia Britannica declara: “Este
material de Nuzi esclareceu muitas passagens difíceis nas narrativas
patriarcais contemporâneas de Gênesis.”
A ARQUEOLOGIA CONFIRMA
NOMES BIBLICAS
O arqueólogo francês André Parrot fez extensas
escavações no lugar da antiga cidade real de Mari, a meio percurso do Eufrates.
A cidade-estado de Mari foi uma das potências dominantes da Alta Mesopotâmia no
começo do segundo milênio A.E.C., até que foi tomada e destruída pelo rei
babilônico Hamurábi. Nas ruínas do enorme palácio descoberto ali, a equipe
francesa de arqueólogos encontrou mais de 20.000 tabuinhas de argila. Algumas
destas tabuinhas cuneiformes mencionam cidades com o nome de Pelegue, Serugue,
Naor, Tera e Harã. É interessante que todos estes nomes ocorrem na narrativa de
Gênesis como sendo os nomes de parentes de Abraão. — Gên. 11:17-26.
Comentando esta similaridade dos antigos nomes
próprios, John Bright escreveu na sua História de Israel: “Em nenhum destes
casos temos . . . uma menção sequer dos patriarcas bíblicos. Mas a
profusão de tal evidência dos documentos contemporâneos mostra claramente que
seus nomes se enquadram perfeitamente na nomenclatura da população amorita dos
começos do segundo milênio, de preferência à de qualquer outro período
posterior. As narrativas patriarcais são assim sob todos os respeitos inteiramente
autênticas.”
Tão recentemente como em 1976, arqueólogos
italianos e sírios identificaram no norte da Síria a antiga cidade-estado de
Ebla. Igual a Mari, Ebla não é mencionada na Bíblia, mas ambos os nomes
aparecem em textos antigos que remontam ao período patriarcal. Portanto, o que
foi descoberto pela pá dos escavadores neste novo lugar? Na biblioteca do
palácio real foram encontrados milhares de tabuinhas de argila remontando ao
fim do terceiro ou ao começo do segundo milênio antes da Era Comum. O semanário
francês Le Point, numa reportagem sobre esta descoberta, no número 19 de março
de 1979, declarou: “Os nomes próprios são espantosamente similares [aos das
Escrituras]. Na Bíblia encontramos ‘Abraão’, nas tabuinhas de Ebla,
‘Ab-ra-rum’; Esaú; — E-sa-um; Miguel — Mi-ki-ilu; Davi — Da-u-dum; Ismael —
Ish-ma-ilum; Israel — Ish-ra-ilu. Os arquivos de Ebla também contêm os nomes de
Sodoma e Gomorra, cidades mencionadas na Bíblia, mas cuja historicidade por
muito tempo foi questionada pelos eruditos. . . . Ainda mais, as
tabuinhas alistam cidades na ordem exatamente igual em que são mencionadas no
Antigo Testamento: Sodoma, Gomorra, Adma, Zeboim e Bela [Gên. 14:2].” Segundo
Boyce Rensberger, escrevendo no Times de Nova Iorque, “alguns eruditos bíblicos
acreditam [que as tabuinhas de Ebla] rivalizam com os Rolos do Mar Morto quanto
a autenticar e a aumentar o conhecimento da vida nos tempos . . .
bíblicos.”
A ARQUEOLOGIA CONFIRMA OS
COSTUMES DA BIBLIA
A arqueologia fez muita coisa para explicar os
costumes aludidos na Bíblia, mostrando assim a exatidão do registro bíblico. Um
caso em pauta é o relato de Gênesis, capítulo 31, onde se menciona que Raquel,
esposa de Jacó, “furtou os terafins que pertenciam a seu pai”, Labão.(V. 19)
Declara-se o motivo de Labão dar-se ao trabalho de ir no encalço de sua filha e
o marido dela durante sete dias. Foi para recuperar os seus “deuses” (Vv.
23, 30) É interessante que uma descoberta arqueológica na antiga cidade
mesopotâmica setentrional de Nuzi revelou a existência duma lei patriarcal,
segundo a qual a posse dos deuses da família davam ao homem o direito aos bens
de raiz do seu falecido sogro. Quando é lembrado que Labão era nativo do
noroeste da Mesopotâmia e quão traiçoeiramente ele havia lidado com Jacó, o
conhecimento desta lei lança luz sobre o estranho furto de Raquel e sobre os
esforços frenéticos de Labão para recuperar os seus “deuses”. O Museu do
Louvre, de Paris, exibe diversos de tais “deuses domésticos”, descobertos em
diversas cidades da Mesopotâmia. Seu tamanho pequeno (de 10 a 15 centímetros)
também ajuda a explicar como Raquel pôde ocultar os terafins sentando-se no
cesto da sela em que estavam e negando-se a se levantar, quando Labão fez a
busca. — Vv. 34, 35.
Um dos bens mais prezados do Museu do Louvre é
um bloco de pedra preta de exatamente 2,25 metros de altura, comumente
conhecido por “Código de Hamurábi”. Sob um relevo mostrando o Rei Hamurábi de
Babilônia recebendo autoridade do deus-sol Xamaxe, há 282 leis em colunas
escritas em letras cuneiformes. Visto que se diz que Hamurábi reinou de 1728 a
1686 A.E.C., alguns críticos da Bíblia afirmaram que Moisés, que registrou
as leis de Israel mais de um século e meio depois, apenas plagiou o código deste
rei babilônico. Desmentindo esta acusação, W. J. Martin escreveu no
livro Documentos dos Tempos do
Antigo Testamento (em inglês):
“Apesar das muitas similaridades, não há nenhuma
base para se presumir qualquer apropriação direta pelos hebreus dos babilônios.
Mesmo nos pontos em que as duas séries de leis diferem pouco na letra, divergem
muito no espírito. Por exemplo, no Código de Hamurábi, o furto e a aceitação de
produtos furtados eram punidos com a pena capital (Leis 6 a 22), mas nas leis
de Israel a punição era a compensação. (Êxo. 22:1; Lev. 6:1-5) Ao passo que a
lei mosaica proibia a entrega dum escravo fugitivo ao seu amo (Deut.
23:15, 16), as leis babilônicas puniam com a morte aquele que acolhesse um
escravo fugitivo. — Leis 15, 16, 19 .”
No Supplément au Dictionnaire de la Bible, o
orientalista francês Joseph Plessis escreveu: “Não parece que o legislador
hebreu tenha feito uso dos diversos códigos de Babilônia e Assíria. Nada na sua
obra pode ser provado como tendo sido apropriado. Embora haja similaridades
interessantes, elas não são tais que não possam ser facilmente explicadas pela
codificação de costumes compartilhados por pessoas da mesma origem.”
Ao passo que o Código de Hamurábi reflete o
espírito de retaliação, a lei mosaica diz: “Não deves odiar teu irmão no teu
coração. . . . Não deves tomar vingança nem ter ressentimento
contra os filhos do teu povo; e tens de amar o teu próximo como a ti mesmo.”
(Lev. 19:17, 18) Isto não somente prova que Moisés não se apropriou de
nada de Hamurábi, mas a comparação entre as leis bíblicas e as inscritas nas
tabuinhas e nas estelas escavadas pelos arqueólogos mostram que as leis
bíblicas são muito superiores àquelas que governavam outros povos antigos.
A ARQUEOLOGIA CONFIRMA A BIBLIA
Que dizer das
Escrituras Gregas, comumente chamadas de “Novo Testamento”? Confirmou a arqueologia a exatidão desta parte importante
da Bíblia? Escreveram-se livros inteiros mostrando que há tal confirmação. Já
em 1890, o erudito bíblico francês F. Vigouroux publicou um livro de mais
de 400 páginas intitulado “Le Nouveau Testament et les découvertes
archéologiques modernes” (O Novo Testamento e as Modernas
Descobertas Arqueológicas). Ele fornece nele prova abundante em
apoio dos Evangelhos, de Atos dos
Apóstolos e das cartas contidas nas Escrituras Gregas. Em 1895, W. M. Ramsay publicou seu livro agora já
clássico S. Paulo, o Viajante, e o Cidadão Romano (em inglês), fornecendo
muita matéria valiosa sobre a autenticidade das Escrituras Gregas Cristãs.
Mais recentemente, publicaram-se muitos outros
livros e artigos eruditos, mostrando como a arqueologia tem
demonstrado a veracidade da Bíblia inteira. E. M. Blaiklock escreveu
no seu livro A Arqueologia do Novo Testamento, publicado em inglês pela primeira vez em 1970: “As notáveis
vindicações da historiografia bíblica ensinaram
aos historiadores o respeito pela autoridade tanto do Antigo como do Novo
Testamento, e a admiração pela exatidão, a profunda preocupação com a verdade e
a perspicácia histórica, inspirada, dos diversos escritores que deram à Bíblia
seus livros de história.”
Sim, a arqueologia claramente apóia a
Bíblia!
O processo de desenredar a estrutura literária
da Bíblia Hebraica e atribuir as suas partes a longa trajetória histórica
acentuou a conexão íntima entre a Bíblia como coleção literária e a história do
povo israelita/judaico desde o Êxodo aos tempos dos Macabeus, durante uns mil
anos no todo. O próprio texto bíblico relata parte ampla dessa história, porém
o faz de modo seletivo e desigual. Sabemos muito mais, por exemplo, a respeito
do reino unido e de partes dos reinos divididos do que sabemos a respeito do
período tribal anterior e de períodos exílicos e pós-exílicos posteriores. Além
disso, é necessário levar em conta a realidade de que muita coisa da história
bíblica recebeu torção moralizadora e teologizadora, ou ela é interpretada a
partir da tendência de ponto de vista posterior na história.
Em consequência, os críticos históricos
ampliaram a sua tarefa a fim de recuperarem tanta informação adicional quanto
pudessem, não só a respeito da história das comunidades bíblicas como também a
respeito da história dos povos circundantes com os quais Israel se achava em
freqüente interação. Documentos esclarecedores historicamente, provindos dos
vizinhos de Israel, embora raramente mencionando Israel, têm a vantagem de
sobreviverem na forma em que foram primeiramente escritos, sem a espécie de
expansão e revisão pelas quais passaram os materiais bíblicos (§8.1; tábua 1;
§10.1). A recuperação arqueológica do material como também a cultura
intelectual, incluindo uma massa sempre crescente de inscrições e de textos,
ajudou muito na tarefa de reconstrução cultural e histórica (§8.2).
Tornou-se possível planejar os amplos contornos
do crescimento das tradições literárias bíblicas contra um cenário histórico
com eixos espaciais e temporais. O eixo temporal se estende desde a Idade do
Bronze Médio (cerca de 2100-1550 a.C), como o período mais comumente admitido
para os antepassados bíblicos Abraão, Isaac e Jacó (patriarcas), até a idade
macabaica na Palestina (167-63 a.C), a época da composição de Daniel e de
Ester, provavelmente os últimos livros a serem escritos. O eixo espacial
localiza a Palestina/Canaã israelita no centro, com círculos geográficos
concêntricos ou esferas que se estendem, primeiramente, à Palestina
não-israelita e à Síria, depois, ao Egito e à Mesopotâmia (incluindo a Suméria,
a Assíria e Babilônia), e, finalmente, à Anatólia (Ásia Menor), ao Irão (Média,
Pérsia), à Arábia e às orlas marítimas do Mediterrâneo oriental incluindo a
Grécia (§17.1).
CRONOLÓGICO
Quando se trata da arqueologia e a cronologia bíblicas
, sabemos que o
texto bíblico fornece um esqueleto de informação cronológica que pode ser
formado juntando as partes a partir das fontes da HD e de P. Afirma-se que
Salomão iniciou a construção do templo 480 anos após o êxodo (1Rs 6,1; HD). Uma
data no período de 967 a 985 a.C, para a colocação da pedra angular do templo,
parece garantida. Contando regressivamente, chegamos a uma data do século XV
para a saída do Egito, ca. 1447-1438 a.C. Êxodo 12, 40 (P) declara que a estada
no Egito totalizou 430 anos (Gn 15,13, a partir de E, declara 400 anos), o que
colocaria a descida de Jacó ao Egito no século XIX, ca. 1877-1868 a.C. Quando
se computam as notas cronológicas Sacerdotais heterogêneas (Gn 47,9; 25,26;
21,5; 12,4) chegamos a uma data de ca. 2092-2083 para a partida de Abraão de
Harã.
Que deveríamos deduzir desta cronologia? Para começar, é necessário tomarmos,
como valor nominal, as idades excessivamente altas dos antepassados (§15.3.b).
Igualmente, observa-se que os números dados no Pentateuco Samaritano divergem
daqueles do Texto Massorético. Mais seriamente, situar um êxodo no
século XV vai contra o quadro bíblico das condições políticas no Egito na época
e também deixa de explicar por que Israel era tão pouco notado em Canaã no
período de 1400-1250 a.C. Em relação com a segunda objeção, não pode ser
demonstrado que os descontentes apiru, mencionados nas cartas de Amarna (tábua
1: 3B) como altamente ativos em 1425-1350, devam ser equiparados ao Israel dos
livros de Josué e Juízes.
Com respeito aos antepassados, simplesmente nada existe de específico nas
tradições bíblicas que possa relacioná-los com a história conhecida em ou em
volta de Canaã, no período entre 2092 e 1868, quando, de acordo com a
cronologia bíblica, os antepassados estiveram supostamente em Canaã. Há algumas
décadas, houve um surto de agitação quando o rei Amrafel de Senaar (Gn 14,1)
foi identificado com Hamurabi de Babilônia, entretanto esta equação não pôde
ser mantida. Além disso, a alta data então preferida para o reinado de Hamurabi
(1848-1806) foi posteriormente mudada em direção a um ou outro dos dois espaços
de tempo posteriores (1782-1750 ou 1728-1686). Da mesma maneira, a tentativa de
associar a ascensão de José ao serviço egípcio com a chegada dos hicsos
asiáticos ao Egito na última parte do século XVIII, não é persuasiva em motivos
gerais e, de qualquer maneira, fornece uma data para a descida ao Egito mais de
um século posterior ao período de 1877-1868, estabelecido pela cronologia
bíblica. Em resumo, a cronologia bíblica tradicional de HD e P não está
confirmada em qualquer pormenor e realmente contradiz a substância dos relatos
bíblicos, ao menos no tocante ao êxodo.
Na suposição de que alguns vestígios do modo de vida antigo refletido em Gn
12-50 pudessem aparecer nos restos materiais de Canaã, invocou-se livremente a
arqueologia para argumentar a favor de um ou outro esquema para datar os
patriarcas. O Bronze Médio I (2100-1900 a.C, denominado também bronze
Médio-Bronze Primitivo Intermédios), despertou interesse em muitos estudiosos
como sendo a era patriarcal, por causa da cultura não-urbana agora ricamente
atestada. Este intervalo entre períodos de construção de cidades em Canaã,
admite-se que indique uma incursão de populações nômades presumivelmente
similares no modo de vida aos antepassados de Israel. Documentos contemporâneos
da recentemente escavada Ebla, na Síria setentrional, são agora alegados por
alguns a fim de reforçar a probabilidade de que o Bronze Médio I foi a
legendária era patriarcal.
O Bronze Médio II (1900-1550 a.C.) é a era patriarcal preferida para outros
especialistas bíblicos. Um santuário a céu aberto em Siquém, que remonta a ca.
de 1800 a.C, é associado ao culto patriarcal naquele lugar (Gn 33,18-20), e
afirma-se que o modo de residência de Abraão num povoado satélite de Hebron
equipara-se ao traçado da não amuralhada Givat Sharett perto de Bet-Sames (Gn
13,18). Além disso, defensores do Bronze Médio II opinam que um abaixamento da
era patriarcal em dois ou mais séculos coloca os antepassados numa relação
cronológica mais satisfatória com a data amplamente aceita do século XIII para
o êxodo.
Em conjunto, todavia, o apoio arqueológico de uma ou outra data a favor dos
antepassados tem-se revelado pouco convincente. Em primeiro lugar, a evidência
não sustenta constantemente qualquer esquema de datação. Nenhum dos sítios
patriarcais importantes de Bersabéia e Siquém fornece qualquer sinal de ocupação
no BM I; de fato, Bersabéia parece não ter sido edificada até ca. 1200. Segundo
os textos bíblicos, a localização do primitivo lugar santo israelita em Siquém
não estava provavelmente dentro da cidade amuralhada, onde a instalação do
culto foi encontrada pelos escavadores. Além do mais, a maioria da avaliação
arqueológica recorreu a vasta superestimação do papel do nomadismo pastoril no
primitivo Israel, como também a suposições muito duvidosas a respeito de como
organização social nômade pastoril pode ser “interpretada” como presente nos
restos materiais (§24.2.a).
Talvez muito criticamente, a arqueologia foi obrigada a carregar mais de um
fardo do que ela pode possivelmente carregar ao chegar a conclusões históricas.
Somente quando elementos sólidos históricos puderem ser estabelecidos nas sagas
dos antepassados — através da prova histórica independente ou através de
estudos literários comparativos controlados que demonstrem os pormenores
históricos, pormenores que as sagas são propensas a preservar — somente então
será capaz a arqueologia de oferecer apoio ou clarificação suplementares para
esses elementos. Não logrando encontrar prova das inscrições relevante para os
antepassados, os restos materiais ambíguos da arqueologia podem apenas associar-se
aos dados ambíguos provindos das sagas para produzir ambiguidades ainda mais
complexas.
Na tentativa por correlacionar texto bíblico e arqueologia a fim de situar
historicamente os antepassados, a linha operante de raciocínio funciona da
seguinte maneira: se elementos a e b nas sagas se consideram como sendo
históricos, então elementos c e d provindos da arqueologia propendem a
confirmá-los. É esta, evidentemente, uma linha bem mais fraca de argumento do
que qualquer das seguintes alternativas: (1) porque elementos a e b nas sagas
sabe-se, independentemente, serem históricos, portanto o seu valor histórico é
elucidado ou estendido por elementos c e d a partir da arqueologia ou (2)
porque elementos c e d a partir da arqueologia são historicamente seguros (e.g.
prova das inscrições), portanto aos elementos de sagas idênticos c' e d' e/ou
aos elementos de sagas relacionados a e b atribui-se credibilidade histórica.
Até agora não é manifesto que possuamos, seja dados histórico-literários, seja
dados histórico-arqueológicos que nos possibilitem raciocinar com segurança em
um ou outro dos dois últimos processos.NOTAS Arqueologia
Bíblica, Werner
Keller
Os túmulos reais dos sumérios —
Uma camada de lodo misteriosa — Vestígios do dilúvio sob a areia do deserto —
Uma inundação catastrófica por volta de 4000 a.C.
NOÉ ARCA DILUVIO
E o Senhor disse-lhe (a Noé): entra na arca tu e toda a tua casa, porque,
daqui a sete dias, farei chover sobre a terra durante quarenta dias e quarenta
noites; e exterminarei da superfície da terra todos os seres que fiz. E,
passados os sete dias, caíram sobre a terra as águas do dilúvio (Gênese 7.1,
4, 10).
Quando ouvimos a palavra
“dilúvio”, pensamos quase imediatamente na Bíblia e na história da arca de Noé. Essa história maravilhosa do Velho Testamento viajou com o
cristianismo através do mundo. E assim se tornou a tradição mais conhecida do dilúvio, embora não seja de modo algum a única. Nos
povos de todas as raças existem diferentes tradições de uma inundação imensa e
catastrófica. Os gregos contavam a lenda do dilúvio de Deucalião; já muito
antes de Colombo, corriam entre os primitivos habitantes do continente
americano numerosas histórias a respeito de uma grande inundação. Na Austrália,
na Índia, na Polinésia, no Tibete, em Caxemira, na Lituânia, há histórias de
uma grande inundação que vêm sendo transmitidas de geração a geração até nossos
dias. Serão todas mitos, lendas, produtos da imaginação?
É bem provável que todas elas reflitam a mesma catástrofe universal. Mas esse
formidável acontecimento deve ter ocorrido num tempo em que já havia seres
pensantes que o presenciaram e lhe sobreviveram, podendo transmitir a notícia
às gerações futuras. Os geólogos julgavam poder solucionar o velho enigma com o
auxílio de sua ciência, apontando como causa a alternância de épocas de calor e
períodos glaciários que assinalaram a evolução da Terra. Por quatro vezes subiu
o nível dos mares quando começavam a derreter-se as tremendas camadas de gelo
que cobriam os continentes, em alguns lugares com muitos milhares de metros de
espessura. As águas de novo desencadeadas mudavam o aspecto da paisagem,
inundavam litorais e vales profundos, exterminando homens, animais e plantas.
Em suma, todas as tentativas de
explicação terminavam em especulações e hipóteses. Mas conjeturas são o que
menos interessa ao historiador. Ele exige sempre uma demonstração clara e
material. E essa não existia; nenhum cientista, qualquer que fosse a sua
especialidade, pudera dá-la. E a verdade é que foi por puro acaso — isto é,
graças às escavações que visavam algo completamente diferente — que se
apresentou a prova insofismável da existência do dilúvio. E isso aconteceu num sítio que nós já
conhecemos: as escavações realizadas em Ur!
Havia já seis anos que os arqueólogos americanos e ingleses estudavam o terreno
junto ao Tell al Muqayyar, que nessa época dava a impressão de uma obra
colossal. Quando o trem de Bagdá se detinha nesse local por um instante, os
viajantes olhavam com espanto para os gigantescos montes de areia retirada.
Trens inteiros de terra eram removidos, examinados cuidadosamente, passados na
peneira; lixo milenar era manejado como se se tratasse de valioso tesouro. A
atividade, os cuidados, as fadigas e o zelo de seis anos produziram uma
colheita prodigiosa. Aos templos sumérios com armazéns, fábricas e tribunais,
às ricas habitações dos cidadãos, seguiram-se, de 1926 a 1928, achados de tal
brilho e esplendor que obscureceram tudo o que se conseguira até então.
Refiro-me aos “túmulos reais de Ur”, como batizou Woolley, na exultação da
descoberta, os túmulos de sumérios notáveis cujo esplendor verdadeiramente
régio foi revelado num monte de entulho de quinze metros de altura. Esse monte
de entulho ficava ao sul do templo, e os túmulos estavam dispostos numa longa
fila, uns ao lado dos outros.
As câmaras tumulares de pedra eram verdadeiros
tesouros: estavam cheias de todas as preciosidades de Ur. Taças e copos de
ouro, bilhas e vasos de formas maravilhosas, utensílios de bronze, mosaicos de
madrepérola, lápis-lazúli e prata rodeavam os mortos reduzidos a pó. Encostadas
às paredes havia harpas e liras. Um moço, “herói da terra de Deus”, pois assim
era intitulado por uma inscrição, tinha na cabeça um elmo de ouro. Um pente de
ouro, ornado de flores de lápis-lazúli, enfeitava o cabelo da bela suméria
Puabi, a “Lady Shub-ad”, como a chamaram os ingleses. Coisas mais belas não
haviam sido encontradas nem mesmo nas famosas câmaras mortuárias de Nefertiti e
Tutancâmon. E, contudo, os túmulos reais de Ur eram mil anos mais antigos do
que aquelas!
Mas, a par das riquezas, os túmulos reais reservavam outro espetáculo sinistro
e impressionante para os homens de nosso tempo — uma cena que não podemos
considerar sem um ligeiro calafrio. Nas câmaras mortuárias foram encontradas
parelhas de animais de tiro, os esqueletos ainda atrelados aos grandes carros
carregados de artísticos utensílios domésticos. Era evidente que todo o cortejo
fúnebre seguira os defuntos notáveis à morte, como deixavam perceber os
esqueletos que os cercavam, com vestidos de festa e ornados de jóias. Vinte
continha o túmulo da bela Puabi, e outras criptas continham até setenta
esqueletos.
Que teria acontecido ali em épocas passadas? Não havia o menor indício de que
aquela gente tivesse sofrido morte violenta. Tudo indicava que eles haviam
acompanhado os defuntos à cripta em solene cortejo, com carros cheios de
tesouros puxados por animais. E, enquanto pelo lado de fora o túmulo era
emparedado, lá dentro eles oravam, pedindo o último repouso para o senhor
morto. Depois tomavam uma droga, reuniam-se pela última vez em volta dele e
morriam voluntariamente... a fim de poderem servi-lo também na outra vida!
Durante dois séculos, os habitantes de Ur haviam depositado seus homens notáveis
naqueles túmulos. Com a abertura da mais profunda e última câmara tumular, os
pesquisadores do século XX decidiram continuar com as escavações.
Com a chegada do verão de 1929, aproximava-se do fim a sexta campanha de
escavação no Tell al Muqayyar. Woolley pôs mais uma vez seus auxiliares nativos
a trabalhar no monte dos “túmulos reais”. Não podia descansar, queria ter
certeza se a terra sob o túmulo real mais profundo poderia oferecer descobertas
durante o novo período de escavações.
Depois de retirados os alicerces do túmulo; algumas centenas de golpes de pá
revelaram que embaixo havia mais camadas de entulho. A que profundidade do
passado chegariam aqueles mudos cronômetros? Quando surgiria, debaixo daquela
colina, a primeira povoação assente em solo virgem? Era isso o que Woolley
queria saber! Lentamente, com muito cuidado, a fim de ter certeza, mandou abrir
poços e ficou ali para examinar as camadas extraídas. “Quase imediatamente se
fizeram descobertas que confirmaram nossas suposições”, escreve ele mais tarde
em seu relatório. “Sob o pavimento dos túmulos reais foram encontradas, numa
camada de cinzas de madeira, numerosas tabuinhas de terracota cobertas de
inscrições dum tipo muito mais antigo que as encontradas nos túmulos. A julgar
pela escrita, as tabuinhas poderiam ser situadas mais ou menos no século XXX
a.C. Deviam ser, pois, uns duzentos ou trezentos anos mais antigas do que os
túmulos.”
À medida que se aprofundavam os poços, apareciam novas camadas com cacos de
cântaros, potes, tigelas. O fato de a cerâmica continuar extraordinariamente
inalterada chamou a atenção dos exploradores. Parecia ser exatamente igual às
peças encontradas nos túmulos reais. Donde se concluía que, durante muitos
séculos, a civilização dos sumérios não sofrera modificações dignas de nota.
Devia ter atingido um alto grau de desenvolvimento em tempos muitíssimo
remotos.
Quando, depois de muitos dias, um dos trabalhadores gritou para Woolley que
haviam chegado ao fundo, ele desceu lá pessoalmente para se certificar. Com
efeito, ali terminava bruscamente todo e qualquer vestígio humano. No solo
intacto, repousavam os últimos fragmentos de utensílios domésticos; aqui e ali
havia vestígios de fogo. “Finalmente!”, pensou Woolley. Com cuidado, examinou o
solo do fundo do poço e viu que era limo, puro limo do tipo que só se formava
pela sedimentação na água! Limo naquele lugar? Woolley procurou uma explicação.
Só podia ser areia de rio, uma acumulação de aluviões do Eufrates em outras
eras. Aquela camada devia ter-se formado quando o grande rio estava avançando
seu delta mais para o interior do golfo Pérsico. Até hoje continua esse avanço
da foz do rio para o golfo, onde a nova terra se estende cerca de vinte e cinco
metros a cada ano mar adentro. Quando Ur estava em seu apogeu, o rio Eufrates
passava tão perto dela que a grande torre escalonada se espelhava nas suas
águas, e do alto do seu santuário devia avistar-se o golfo Pérsico. As
primeiras habitações deviam ter sido construídas sobre o limo do antigo delta.
Medidas realizadas no terreno e cálculos feitos com mais cuidado levaram
Woolley a um resultado completamente diverso e a nova conclusão:
“Vi que estávamos num nível
muito alto. Era difícil de aceitar que a ilha sobre a qual fora construída a
primeira povoação se elevasse tanto acima da várzea.”
O fundo do poço, onde começava a camada de limo, ficava muitos metros acima do
nível do rio. Não podia ser, portanto, aluvião do Eufrates. Que significava,
pois, aquela extraordinária camada de limo? Como se formara? Nenhum dos seus
colaboradores conseguiu dar uma resposta conclusiva. Continuaram, pois,
aprofundando o poço. Superexcitado, Woolley observava, enquanto cesta após
cesta ia saindo da escavação e o conteúdo era imediatamente examinado. As pás
continuaram cavando, um metro, dois metros... era ainda puro limo. A cerca de
três metros de profundidade, a camada de limo terminou tão bruscamente como
havia começado. Que viria a seguir?
As cestas que apareceram à luz do dia, a seguir, deram uma resposta que nenhum
daqueles homens podia ter imaginado. Não podiam acreditar no que viam.
Esperavam terra virgem, mas o que lhes aparecia ali sob o sol implacável era
novo entulho, depois mais entulho, detritos de outrora, e, entre eles,
numerosos cacos de barro. Sob uma camada de quase três metros de puro limo,
topavam de novo com restos de habitações humanas. Mas tanto o aspecto como a
técnica da cerâmica haviam mudado notavelmente. Acima da camada de limo, havia
bilhas e escudelas evidentemente feitas no torno; aquelas, ao contrário, eram
ainda modeladas à mão. Por mais que fosse peneirado com cuidado o conteúdo das
cestas, sob a crescente expectativa dos homens, não se descobriram restos de
metal em parte alguma. A ferramenta primitiva que apareceu consistia em sílex
polido. Devia ser da Idade da Pedra!
Naquele dia, um telégrafo da Mesopotâmia transmitia para o mundo a mais
extraordinária notícia que ouvidos humanos já ouviram: “Descobrimos o dilúvio!”
A tremenda descoberta realizada em Ur ocupou as manchetes da imprensa dos Estados
Unidos e da Inglaterra.
O dilúvio — essa era a única explicação possível para a enorme jazida de lama
sob a colina de Ur que separava nitidamente duas épocas humanas. O mar havia
deixado aí seus vestígios incontestáveis sob a forma de restos de pequenos
animais marinhos. Woolley quis ter certeza o mais depressa possível. Podia ser
que um acaso — se bem que improvável — tivesse iludido a ele e aos seus
colaboradores. Mandou escavar um poço a uns trezentos metros do primeiro.
As pás puseram a descoberto o mesmo perfil: cacos de olaria, camadas de limo,
restos de objetos de barro moldados à mão.
A fim de afastar toda e qualquer dúvida, mandou finalmente escavar ainda outro
poço na massa de escombros, num lugar onde as habitações humanas se erguiam
sobre uma colina natural; portanto, em camadas situadas acima do depósito de
limo.
A uma profundidade mais ou menos igual àquela em que nos dois outros poços
acabavam de repente as vasilhas feitas no torno, aí também deixaram de
aparecer. Imediatamente abaixo, seguiam-se vasilhas feitas à mão... exatamente
como Woolley imaginara e havia esperado. Somente aí faltava, naturalmente, a
camada de limo divisória. “Cerca de cinco metros abaixo de um pavimento de
tijolos”, observa Woolley, “a que podíamos atribuir com relativa segurança a
data de 2700 anos a.C, encontramos as ruínas daquela Ur que existira antes do
dilúvio.”
Até onde se estenderia a camada de limo? Que regiões teriam sido abrangidas
pela catástrofe? Uma pesquisa regular dos vestígios da grande inundação está
sendo levada a efeito atualmente, em outros sítios no sul da Mesopotâmia.
Outros arqueólogos descobriram em Kish, ao nordeste da antiga Babilônia, onde o
Eufrates e o Tigre, fazendo grandes curvas, se aproximam um do outro, um novo e
importante ponto de referência. Em dado momento, toparam com uma camada de
terreno de aluvião, se bem que aí tenha apenas meio metro de espessura. Por
meio de sondagens, consegue-se estabelecer a extensão geral da enorme
inundação. Segundo Woolley, a catástrofe cobriu, ao nordeste do golfo Pérsico,
uma extensão de seiscentos e trinta quilômetros de comprimento por cento e
sessenta de largura. Visto no mapa, foi apenas um “acontecimento local”, como
diríamos hoje... mas para os habitantes daquelas bacias, essa região era todo o
seu mundo.
Após inúmeras pesquisas e tentativas de interpretação sem resultados concretos,
havia muito que se tinha abandonado a esperança de solucionar o grande mistério
do dilúvio, que parecia recuar para épocas remotíssimas, insondáveis para o
homem. Então, eis que o trabalho incansável e seguro de Woolley e de seus
colaboradores produzia para os cientistas um resultado espantoso: não só fora
descoberta uma imensa e catastrófica inundação que lembrava o dilúvio da
Bíblia, freqüentemente considerado pelos céticos como lenda ou fantasia, mas
agora se apresentava como acontecimento ocorrido numa época histórica
determinável.
Ao pé da velha torre escalonada dos sumérios, em Ur, no baixo Eufrates,
podia-se descer por uma escada ao fundo de um estreito poço e ver e apalpar os
restos de uma imensa inundação — uma camada de limo de quase três metros de
espessura. E, pela idade das camadas que indicavam estabelecimentos humanos e
nas quais se podia ler o tempo como num calendário, podia-se também determinar
quando ocorrera essa inundação.
Obviamente, na época de Woolley, a tendência de atribuir interpretações
dramáticas a resultados de escavações arqueológicas era bem mais acentuada do
que hoje, visto que, pouco depois de Woolley, outro arqueólogo, Stephen Langdon,
anunciou que ele, por sua vez, teria encontrado em Kish (portanto, na
Babilônia) “o vestígio material do dilúvio”, no que foi amplamente apoiado pela
imprensa. Todavia, o azar de Langdon, ou também de Woolley, foi o de não
coincidirem as datações das duas catástrofes de inundação. Qual dos “dilúvios”
era, então, o legítimo, o bíblico? Woolley protestou energicamente contra as
pretensões de descoberta levantadas por Langdon, e houve acalorados debates
que, no entanto, não incomodaram alguns autores, como Sir Charles Marston, os
quais opinaram que tanto Woolley quanto Langdon teriam descoberto,
simultaneamente, “os sedimentos oriundos do grande dilúvio”.
Entrementes, os ânimos amainaram e prevaleceu o raciocínio sóbrio, objetivo. Os
pareceres críticos dos cientistas permitem deduzir quatro pontos principais:
— Dos cinco poços abertos por
Woolley, somente dois apresentaram a camada de limo do dilúvio;
— Em Ur, a inundação não provocou o abandono das habitações; ela não deixou
sequer uma lacuna demográfica;
— Embora vestígios do dilúvio fossem encontrados também em outros sítios na
Mesopotâmia, como, por exemplo, em Kish, conforme mencionado acima, bem como em
Fara (Shuruppak,) Nínive e Uruk, deixaram de ser localizados nos pontos onde
deveriam existir, caso em alguma época toda a Mesopotâmia tivesse sido
inundada;
— Há igualmente discrepâncias quanto à localização no tempo, em parte
consideráveis, entre os vestígios do dilúvio trazidos à luz do dia nos diversos
sítios de escavação, datados de períodos bem diversos, por vezes separados por
séculos.
Em outras palavras, evidentemente, o “dilúvio” de Woolley não tinha importância
suficiente para ser considerado o “dilúvio” bíblico, a não ser pela suposição
de que uma das catastróficas inundações arqueologicamente comprovadas na “terra
entre os rios” tivesse atingido os habitantes da Mesopotâmia contemporânea, a
ponto de, com forte dose de exagero, dar origem à tradição do cataclismo que
aniquilou toda a humanidade. É lógico que isso não passa de mera conjetura,
continuando por enquanto “sem elucidação arqueológica” a inundação em
proporções inimagináveis, conforme a descrita pela Bíblia. Assim, continua
também em aberto a pergunta: se todos os diversos relatos do “dilúvio”,
existentes praticamente em toda parte ao redor do globo, descrevem somente uma
experiência primária, coincidente, do homem com o fenômeno do “dilúvio”, e
então todos os relatos da catástrofe pertinentes e tradicionais teriam sido
meramente englobados, ou seja, inflados por várias descrições da “maior de
todas as inundações”, ou se, por outro lado, não se trataria de tradições muito
mais antigas, datadas de milênios antes do dilúvio de Ur descoberto por
Woolley, recuando no tempo até as etapas glaciais, quando as gigantescas
geleiras se derreteram, os oceanos do mundo subiram duzentos metros e
estabeleceram-se definitivamente os limites hodiernos entre a terra firme e o
mar. Este era um evento de conseqüências universais, capaz de explicar por que
tantos povos conservaram as tradições do dilúvio. A seguir, falar-se-á de uma
daquelas tradições do dilúvio em paralelo com as da Bíblia, e a qual, por sua
vez, também procede exclusivamente das chamadas “terras bíblicas”.
FONTE: E a Bíblia tinha razão... de W. Keller,
cap. III.